O Língua de Serpente.



Episódio 1 - 

Por que acordei?






Se não fosse sua conhecida cara refletida no espelhinho barato do banheiro, juraria F. que hoje não era mais quem fora.

“Cadê a pasta de dente?”

Sonhara a noite toda. Isso não era incomum. Estava cansado também, isso também era normal, “ Devo andar milhas pelos meus sonhos”, pensou.
Passado o segundo mágico da mudança sonhada, com enfado familiar, F. já sabia que  nada mais sobrava que a inercia de  sua realidade. Tomou seu banho rápido com seu sabonete caríssimo, um pequeno luxo de uma vida patética, imaginando um dia que por mais conhecido que fosse, sempre restava uma nóia nova para prender sua mente inquieta em algum ponto que não controlaria no futuro noturno.
Seguindo a rotina, fez um café amargo que era a única coisa que poderia caraterizar uma manha normal.  Passava das duas da tarde, olhou o sol la fora e deprimiu -se.

“Por que não chove?”

Sentia necessidade de tempos nublados. Sentia se mais aceito no seu humor natural nesses dias. “Todos ficam normais em dias nublados”: sem a euforia e a felicidade que o calor incita. Gostava do Sol da manhã: sempre carinhoso e maternal, quase uma lua quentinha. “Mas esse não! Todos querem chuva neste momento como eu, cade aquela nuvem grandona que sempre encobre a minha Lua.”
O alarme soa a hora do fim de seu dia. Sempre se arrepende de não ter ido dormir mais cedo e/ou ter acordado mais cedo, mas sabe que não pode mais fazer como antigamente: fingir que não há futuro. Sempre voltar, num loop infinito a vida antiga de adolescente. O sonho do não crescer.

Arruma sua mochila com o que sempre leva: um livro de Machado, uma cadernetinha cheia de anotações desconexas, três canetas sem tampa e um agasalho, “afinal nunca se sabe onde pode parar e se vai esta frio la”. Confere umas quatro vezes se falta alguma coisa e na saída lembra que alem da vontade de prosseguir, esqueceu a chave que abre toda a fuga. Lembra - se que Ela, mais uma vez não acordou e com um pesar raivoso sabe que o fim poderia ser hoje ou no próximo.

“O mais rápido possível…”

Por sorte dela, não encontra o senhorio: uma velha enxerida que posa de evangélica. Agradece imensamente, pois ja é um bom agouro não ser obrigado a negar um boa tarde a ninguém. Abre o portão como me fuga. ”Mas é uma fuga!” Sente - se patético: três da tarde e eu me escondendo. De que? De quem?
Ruma para seu banco de costume, na praça vizinha: é hora de relaxar! Senta - se em paz e acende seu baseado bolado no banheiro. Sem culpa, fuma como se ali sim fosse alguém, ou só mais um, pertencedor a uma classe de excluídos. A natureza da lugar, a cada trago dado, torna-se mais viva, mais verde. Embalada pelo som de seu player, quase que toma vida e realiza seus anseios. As nuvens são o que mais lhe chamam atenção:
“Como voam gordas em ressonância a meu pesar: vão e vão e se desfazem em algo novo e também sem sentido…”
Mais um trago…
“Uma delas tem forma de guerreiro em posto de combate… .”
Mais um…
“O guerreiro é um coelho… .”
Mais um…

Outro alarme:
“Tenho que ir, a realidade…, não queria…, queria as nuvens, sempre…, mas não.” Levanta - se com a resto da coragem de anos e sai sob os olhares talvez invejosos das meninas do super mercadinho careiro em frente.

Pelas ruas, apenas o monólogo repetitivo de sempre. Metódico, segue um mesmo caminho. Antigamente, caminhando, sonhava com uma realidade onde seria feliz e rico, mas sabe que os anos passaram e hoje, talvez seus sonhos megalomaníacos não se concretizem, até por que, nem são sonhos. Apenas um conglomerado de desejos não depurados que sob a falta de direcionamento, tomaram o controle de sua mente e influenciam - no diretamente á ilusão de que se é especial.
Chega nessa conclusão no mesmo momento que passa no posto onde costuma comprar seu macarrão instantâneo, foge da ideia que escolhido e satisfeito, concentra -se no dilema de carne ou galinha caipira.
“Carne e um refrigerante”, escolha final.
Se não estava, então demorou para ficar atrasado! Confere e constata que se não correr, chegara cinco minutos acima do já habitual atraso. Não se importa. Sempre está atrasado.

“Estou atrasado à décadas.”










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Episódio 2


Vivo porque preciso - Parte 1




No divago tão patético quanto necessário, tentando atravessar a cada vácuo dos carros que lhe ignoram, F. se aproxima com já cansaço de seu trabalho. Relembra de sua rotina e apesar de tudo, sente que começa a criar um protótipo de responsabilidade: voltaria para a loucura se fosse outra época. Já teria largado tudo em prol da aventura de não saber o futuro do dia-a-dia. Já sabia: seriam meses sob o julgo da Fé. Entrevistas estranhas, com interpeladores que mais parecem ter surgido de uma versão brasileira e suada de Law ‘n ‘ Order. Caminhadas sob o sol a pino em busca de 30$ diários do extra do jornal. Monólogos mentais provocados pelas esperas na fila do restaurante popular.

“Não sei se quero, melhor não… .”



Gostava do que fazia. Tinha uma função fundamental e não reconhecida. Obviamente não recebia o que achava que merecia e resmungava pelos cantos das pias sua amargura de pobre, porém o fato da liberdade única de poder ter um radio ligado a jornada inteira e um minimo aceito de exclusão social dos demais colegas de trabalho foram o que fizeram continuar na caminhada horas atrás, quando pra cá vinha.

“Boa Tarde” - diz sem resposta quando chega.
Espanta - se por isso. O cumprimento já é um jogo.
“Já que meu devaneio não conseguiu extraviar - me desta vez, vamos ao deleite da rotina. “

Em socialização, aqui começa sua realidade. Depois de meses sem contato real, já existia uma conexão fraca entre três pessoas, das trinta que trabalhavam com ele. Não evitava - os, mas secretamente não gostaria de vê - los, apenas de te - los como amigos,num delírio de solidão. Como o impossível se poe, cumprimenta A., que sempre era o primeiro a ver.

“Beleza cara, como vai
D boa, e você?
To bem também…?

Não estava. Nunca estava.
“Quem estaria?”.

Lança essa retórica sempre pelo consolo de não saber a resposta e com isso conformar - se na certeza da dúvida. No fundo sabia que o bem estar existe em algumas pessoas. De uma maneira difusa, instaura - se na vida de quem nunca o procurou, apenas o desejou e nos seus rostos transparece uma calma, uma fé que F. sente como um mundo paralelo, algo inatingível! Um Dom que lhe foi negado. Em milésimos de segundo compila sua desgraça particular apodrecida e a roda sob um sistema falho e inconstante que de saída gera uma interface do Ódio, em primeira instância a esses ali em sua frente, despejando sua normalidade em seus boletos pagos, em suas noites de prazer exageradas. Depois, no fim do primeiro milésimo, absorve que, apesar de inúteis, não pode depositar a culpa pela felicidade deles neles próprios, afinal nem eles sabem que são felizes. Vivem alienados em seus ideais menores, não menos importantes, porém menores, que apenas existem em  sustento de suas vidas práticas. F. sempre contestava esses pensares. Queria que todos pensassem como ele, e como seu modo de pensar é pensar o seu problema, posto que nada mais sobra de seu raciocínio a não ser rodar feito uma mosca sobre a podridão de sua vida, fica o egoísmo de querer que na transparência, todos lhe ajudem com ideias de salvação.  
De misto de egocentrismo e desespero que lhe travam e torno da bancada, com o olhar parado, F. retorna do seu nanosonho com a sensação de culpa por ter julgado a todos e não ter levado em conta as nuances… .

“Ainda há nunces a serem a analisadas…”



Episódio 3


Vivo porque preciso - Parte 2







À três meses começava o que hoje creio ser a minha mais agressiva  escalada pro auto-conhecimento.
Conhecimento este que trás me angustia por revelar um indivíduo com falhas de caráter e déficit de memória graves. Porém, acalmem-se, não vou torturar lhes com minhas revisitações de erros pela ainda curta vida. Isso já será desperdício de tempo: há sofrimentos novos a serem experimentados, expostos, e quanto aos brancos nas lembranças, confesso não achá-lo tão ruins: vivo em um reflexo de um mundo onde não há muitos preços ou distrações, sempre tenho que repetir situações, simulando um prazer mínimo e não lembrar exatamente de como foi a última representação, deixa uma sensação de novo, despertando talvez até uma alegria.
Nada de mais.
Nada de novo se tudo isso não tivesse sendo passado pelo crivo cruel de subordinados odiosos com minha arrogância que presumo exalar com essa minha teimosa atitude de odiar as pessoas. Caí no centro da análise e sou hoje o foco de energias cinzas que pesam sobre minhas costas. Já era paranoico, fiquei mais. Não sou um exemplo de líder,  tampouco sou uma pessoa desprezível, apenas perdi o foco na vida e neste momento encontro-me no lugar necessário para o confronto com meus monstros. Não devo fugir da luta. Até excita-me, pena eu ser tão desfocado, desinteressado e desacreditado na maldade das pessoas. Antes quando este tipo convívio social forçado tornava-se insuportável, eu fugia! Desaparecia. Abandonava o posto na vida. E vejo que sempre foi assim: nunca consegui conviver mais de dois anos com um mesmo grupo de pessoas (trabalho, projetos, relacionamentos) Simplesmente por não admitir o controle e o conhecimento de conceitos íntimos de minha personalidade frágil, despedaçada.
E essa talvez seja o grande mote de toda essa situação: a cura pela exposição. Nunca pensei ser assim. É me doloroso sentir o pensamento das pessoas, a desmotivação de vida vinda de todos. Acham-me estranho, todos e com isso enfraquecem-me. Falta-me identidade, apuro e fé.


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Observando o microcosmo da situação, percebe-se que não se trata de falta de nada, antes sim um excesso de apuro, uma superexposição de personalidade e uma fé mal aplicada aliada a um fortíssimo senso de postergação.


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Entretanto todas estas visões simplistas e esfumaçadas que tomo por mim mesmo foram dissolvidas pela claridade das obrigações minha vida nova. Não há como fugir e nem estou nisto interessado. Preciso do fim, esquecer de tudo que fui, afinal, nada do que implementei foi testado e nessa jogada da vida, em pouco tempo ficou evidente o quão fraca era meu disfarce. Hoje estou exposto. Apenas não vêem porque não me olham. Tampouco tenho medo.Tirei meu capuz e quero ver essa tal luz que dizem. Assumi minha república. Presidirei minha pólis com minha lei.
E isso me assusta. Nunca deu certo esses meus rompantes eufóricos, porque daria este agora? O que estou fazendo de diferente? Não sei. E se não sei, será que nada estou fazendo?
Não pode ser.
Entretanto é fato que se precisa intensificar o ataque. Deve-se ser ainda mais eu mesmo. Descobrir e apurar valores. Testá-los e crer que acima de tudo há a realidade e essa não há negações, apenas o tempo correndo. Não posso esperar. Preciso ir mesmo, abandonar-me sem melodramas. Como uma roupa usada, velha.


Tudo é tão repetitivo, queria um futuro apenas para não escrever as mesmas coisas sempre.




Episódio 4

Vergonha íntima.






Escondi no meu armário aquilo que não queria que fosse julgado.
Nunca por medo ou possíveis retaliações, apenas não haver juízes neste mundo.
Lembro - me de criança, num devaneio de sala de aula, e meus companheiros perdidos em memoria, diziam em uníssono mudo: gay.
Nem saiba quem eu era e já me diziam o que eu deveria ser.
Estavam certos, admito, porém isso não importa.
O mundo evoluiu e hoje o que passei seria retratado talvez em algum programa idiota como dito bullying, e foi mesmo, mas era minha vida também:

“Chutaram minha bunda.
Passaram rasteira no campim, cai na bosta.
Não consegui me levantar.
Chorei…”

Chorei e dormi por três décadas
Ninando em lembranças de um mundo base que não existe mais.

Mas um dia existiu.

“Aprendi ali que talvez eu não seria aceito.
Nunca!
Não do jeito que eu era.”

E quem eu era, senão mais um humano querendo Amor.
Já desde o início, agora entendo.
Pequeno dançarino.
Abraçava e era mal entendido.

Os anos levaram de mim a coragem de continuar.
Amigos inventados por anos.
Sonhos corrompidos pelo afeto nulo.

Os anos trouxeram pra mim a vontade de terminar.
Amigos inventados por anos.
Sonhos corrompidos pelo afeto nulo.

Penso em uma vida sem rótulos, onde apenas sua existência tenha valor.
Uma vida sem perguntas ou comparações:
Detectado o parâmetro da privacidade,
Apenas pare.

E quem sou, senão mais um humano querendo Amor.
Já desde sempre, agora entendo.
Perdão, minha alma é livre.
Eu ainda não, mas ela é.


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Episódio 5

Ligação Covalente








Tudo ficou tão triste
Que até nossa felicidade inventada
Ficou triste.

Descontrole da vida,
Solidão enrustida.
Paixão perdida no Sistema.


Acabou.

Hoje meu amor não lhe quer mais.
Meus sonhos lhe expulsam.
Quero apenas a Paz.

Acabou.

Não quero,
Mas sei acabou.




Se valho algo para mim.
Agora ponho o preço.
Pago?
Devo?

Queria não dever e não ter o que pagar.




Aceitação.

Sentimento que contra vai pela minha revolta.

Revolta de não ter você.
Revolta de não ter nada.
Revolta de sempre sofrer.
Revolta por não - ser.



Me fazes feliz por olhar-me, enxergar-me.
Porém ainda estou aqui, sozinho.
Perdido no silêncio.
Ecos de imaginação.


Nada vale seus toques se tudo se reduz a um instante.
Mágico, porém apenas um instante.





Perdi - me por ti, confesso.
Minha loucura.


Mato minh' alma se assim continuo.
E mesmo assim ainda gosto de ti.





Qual a palavra que me conduz?








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Uma semana e meia de amor.





Fase 1




Madruga ainda não era,
Pena.
Perdido acompanhado, só encontrei - te na sombra dela
Que em mim trazia.


Perguntei.

Você respondeu.



Se morro agora ou depois
Dizem aí que é provável.
Por arma ou coração.

Não sei quem és
Mas vi como ages:
Fora de meu padrão de loucura.



 

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